São inúmeras as que não conseguem ter relações sexuais com penetração devido ao sofrimento físico que esse ato que deveria ser agradável e prazeroso lhes inflinge. Felizmente, há solução, como explica a sexóloga Erika Morbeck.
Eram casados há seis anos e nunca tinham tido sexo com penetração. A descrição pode parecer-lhe irrealista, mas a ginecologista Maria do Céu Santo garante que este caso clínico já lhe passou pelas mãos e até é uma situação recorrente, mais do que aquilo que poderia pensar. Há pessoas para quem a dor, uma das disfunções sexuais femininas que constam da lista da Fundação Americana de Doença Urológica, é um impedimento para uma vida sexual ativa e sadia.
“Estudos clínicos demonstram que cerca de 9% a 27% das mulheres portuguesas sofrem ou queixam-se de dor durante o sexo”, explica a sexóloga Erika Morbeck. A dor não é, porém, toda igual. Na origem do problema, podem estar causas orgânicas, psicológicas e socioculturais. “Em muitos casos, fala-se de uma causa mista”, elucida a terapeuta sexual. Seja qual for o problema há solução. É essencial procurar ajuda para fazer o diagnóstico correto e iniciar o tratamento.
O que está na origem da dor
A disfunção sexual mais associada aos quadros de dor durante o ato sexual chama-se dispareunia e é espoletada por problemas físicos. “A maior parte dos casos de dor deve-se às infeções”, esclarece Maria do Céu Santo. “Tem a ver com vulvovaginites, irritação clitoriana, lesões e herpes”, acrescenta. Além das infeções, há a secura vaginal, que pode dever-se a vários fatores, nomeadamente à higiene íntima agressiva ou à entrada na menopausa.
Esta é, de acordo com a ginecologista, autora do livro “Amor sem limites – Emoções, saúde e sexualidade”, publicado pela editora Academia do Livro, a segunda grande responsável por esta disfunção. Há ainda situações de dermatite de contacto, que são assaduras provocadas pela fricção e, às vezes, até resultantes de depilação total na zona genital. Nestes casos, a dispareunia é superficial. Quando se manifesta, a dor é sentida logo no introito da vagina.
Menos frequente, apesar de também condicionar a vida de milhares de mulheres em todo o mundo, é a dispareunia profunda, que é causada por certas posições e movimentos e que pode ter a ver com o facto da mulher estar no período pré-menstrual ou na fase de ovulação, mas também pode dever-se a infeções pélvicas, a infeções do colo do útero e/ou a patologias ovarianas. Todas elas, em maior ou em menor grau, provocam dor e desmotivam a mulher.
Anatomia da dor
A perturbação da dor é um problema de disfunção sexual feminina (existem outros ao nível do desejo sexual, da excitação sexual e do orgasmo) e pode ser de vários tipos:
– Dispareunia
É uma dor persistente e recorrente associada ao coito. Deve-se, na maior parte das vezes, a infeções ou a secura vaginal.
– Vaginismo
É um espasmo involuntário da musculatura do terço exterior da vagina que interfere na penetração. Pode dever-se a um trauma/medo e o tratamento passa, na maior parte dos casos, pela psicoterapia.
– Dor sexual não coital
Dor genital constante induzida por estimulação sexual não coital. Tanto pode ser originada por razões físicas como psicológicas.
A impossibilidade do coito
Noutros casos, a dor tem a ver com vaginismo, que é definido “como um espasmo involuntário da musculatura do terço exterior da vagina aquando da tentativa de penetração do pénis, dedo, tampão ou outro objeto, causando mal-estar acentuado ou dificuldades interpessoais”, revela Erika Morbeck. “Na maior parte das vezes, a contração da musculatura da vagina ocorre quando a mulher tem ou prevê ter dor, sendo que a própria antecipação ou medo a podem causar”, diz.
“Há muitos casos de vaginismo primário, em que a pessoa ouviu que ia doer a primeira vez ou já teve relações e doeu e agora pensa que vai doer sempre”, acrescenta Maria do Céu Santo, com base na longa experiência clínica que já acumula, revelando que há também situações mais complexas, em que traumas como uma violação, podem estar na origem do problema. Depois de agressões sexuais desse tipo, são muitos os casos de mulheres que manifestam esse receio.
Mas há também os casos de dor sexual não coital, que é a dor genital persistente e recorrente induzida por estimulação sexual, mesmo sem penetração. “Nestes casos, estamos perante um problema de origem psicológica ou, em algumas situações, de dor decorrente de uma situação de infeção ou de algum tratamento localizado que seja agressivo para a vagina e para a vulva”, sublinha Maria do Céu Santo, que também escreveu o livro “Sorria com o corpo inteiro”.
A importância do diagnóstico
O diagnóstico correto assume um papel fundamental. “Há muita coisa rotulada de vaginismo que na verdade não o é”, alerta a ginecologista. “Existem mulheres que têm um orifício mínimo ou que têm hímenes mais elásticos, que não rompem”, exemplifica, frisando que estes casos carecem por vezes de cirurgia. “É preciso despistar uma eventual malformação”, refere a médica, que recomenda a qualquer mulher com sintomas que procure um ginecologista.
O tratamento pode passar pela terapia sexual e até pela fisioterapia, dependendo da causa. “Há casos em que se trata a infeção e acaba-se com o problema da dor. Há outros em que é preciso ajudar a mulher a conhecer melhor o seu corpo para ultrapassar o problema. Há situações em que sugerimos um lubrificante e outras em que é preciso recorrer a anestésicos locais”, afirma a ginecologista. O que é certo é que há solução para a dor no ato sexual. “As disfunções da dor têm tratamento, que pode proporcionar uma vida sexual e também conjugal mais satisfatória”, garante também Erika Morbeck. O grande problema é que a procura de ajuda faz-se, na maioria dos casos, tarde.
“Ainda hoje, as mulheres demoram algum tempo a pedir ajuda, cerca de um ano, pelo menos”, assume a terapeuta sexual. “Geralmente, recorrem aos serviços especializados quando começam a sentir que a relação pode ser afetada com o problema”, prossegue. Maria do Céu Santo diz que muitos casais só procuram ajuda “quando pretendem ter filhos e aí a penetração é obrigatória”. “No que toca ao sexo, as pessoas falam para assumir sucessos, nunca desgraças”, critica.
Resolver as coisas a dois é essencial
Muitos casais têm problemas em abordar a sexualidade e a intimidade nas conversas do quotidiano. Erika Morbeck avisa, contudo, que calar o problema em vez de procurar ajuda para solucioná-lo pode trazer danos muitas vezes irreversíveis para uma relação. “As reações do casal face ao problema são muito variadas”, desvenda a terapeuta sexual. “Alguns não valorizam e outros desenvolvem conflitos a nível conjugal”, prossegue a especialista em sexualidade.
Erika Morbeck alerta ainda para o facto de alguns parceiros de mulheres que apresentam esta disfunção sexual poderem “desenvolver sentimentos de rejeição ou crenças sem fundamento”. “Como a de que a parceira quer boicotar o ato sexual, ou que ele é o causador da disfunção sexual, não é atraente o suficiente ou não é capaz de dar prazer à parceira”, sublinha a especialista, o que pode também originar disfunções sexuais no homem, alerta.
“A ejaculação prematura ou a disfunção erétil”, são dois dos exemplos que destaca. O diálogo entre o casal é, por isso, essencial. “A compreensão do parceiro é fundamental, pois o problema, embora seja manifestado por um membro do casal, é sempre de ambos”, sublinha a sexóloga. “É necessário que o casal mantenha uma boa comunicação sobre o problema e que ambos procurem ajuda especializada”, conclui a terapeuta sexual e sexóloga Erika Morbeck.
Maria do Céu Santo não poderia estar mais de acordo. Na sua experiência clínica, assegura que isso normalmente acontece. “Por exemplo, o casal que levou seis anos a procurar ajuda [e só o fez porque queria engravidar] tinha um grande entendimento e cumplicidade porque obtinha satisfação de outras formas”, revela a ginecologista portuguesa. O bebé deste casal, entretanto, já nasceu. E foi concebido sem dor. Conseguir um final feliz está, por isso, nas suas mãos.
Texto: Sofia Santos Cardoso com Erica Morbeck (sexóloga) e Maria do Céu Santo (ginecologista)